Por: Raphael Kurz
Como é bom voltar a escrever aqui. Dessa vez não é sobre uma expedição, mas sim sobre uma saída despretensiosa que rendeu um belo de um encontro e novo registro pro Rio Grande do Sul!!!
No Avistar desse ano, a maioria das pessoas que conversavam comigo, falavam que em 2024 estava descartada a possibilidade de vir para o RS devido aos grandes problemas climáticos que o estado estava enfrentando e que talvez em 2025 marcassem alguma coisa comigo.
Como autônomo, fiquei extremamente preocupado e comentei com algumas pessoas próximas que assim que eu voltasse pra casa, iria pegar o carro e iria “rodar” por Rio Grande e Pelotas pra ver como estariam as condições das estradas e se conseguiria encontrar algumas espécies que geralmente são lifers pra quem visita o RS.
Como cheguei na semana passada, pensei em sair no final de semana e coloquei a ideia num grupo de WhatsApp que tenho com amigos mais próximos e o Luis Weymar disse que iria comigo, já que ele também estava sem sair pra passarinhar há vários dias devido as condições climáticas.
A princípio, iríamos sair nosábado pela tarde (dia 25), mas como estava ventando muito, resolvemos adiar e sair no domingo (dia 26) pela manhã e devido a vários fatores que foram acontecendo, acabamos nos esbarrando com essa espécie que surpreendeu à todos.
Dia 1 – Domingo (26/05)
Então vamos lá… No domingo, saímos de Pelotas por volta das 7:00 e fomos pra Rio Grande e de cara, fiquei impressionado com a quantidade de água próxima do Canal São Gonçalo e de alguns outros locais que costumamos sair pra observar aves. Mas conversando com o Weymar, definimos uns locais pra ir parando e pra ir vendo algumas espécies importantes, como o papa-piri, amarelinho-do-junco, arredio-de-papo-manchado, carqueja-de-escudo-vermelho, joão-da-palha e outros.
Tínhamos apenas a manhã pra passarinhar, pois os dois precisavam voltar antes do meio-dia pra Pelotas.
Enfim, logo no final da manhã, estávamos juntos quando ouvimos uma possível calhandra-de-três-rabos vocalizar e o Luis queria muito fotografá-la. Eu disse pra ele ir até o local enquanto eu pegava o carro e iria encontrá-lo mais pra frente.
Pronto, aí começou toda a história…
Enquanto o Luís seguia concentrado ali, eu encontrei uma garça-azul e fiquei ali, fazendo algumas fotos (pois sou apaixonado pela espécie). De repente o Luís faz sinal pra eu ir lá correndo onde ele tava. Na hora eu meio que “caguei”, achei que ele tinha conseguido um registro legal da calhandra e fui tranquilo até ele.
Cheguei onde ele tava e ele falou: “Cara, fotografei algo diferente que não sei o que é” e me mostrou umas fotos muito ruins e eu falei que era um joão-pobre e ele disse que tinha certeza que não era. Continuou mexendo na câmera e veio com uma foto do bichinho de lado, com topetinho em evidência e na hora eu falei que era “um desses piuís”, mas não sabia o que era.
Tocamos o playback de todos possíveis e o bicho ficava voando na copa das árvores caçando um ou outro inseto e nada de dar bola pro playback. Resultado: Voltei pra casa sem conseguir foto do bicho.
Chegando em Pelotas, o Luis mandou a foto pro Fernando Jacobs e o Jacobs mandou pro Glayson Bencke. Aí começou o borburinho e a possibilidade de ser uma espécie rara.
Raridade sabíamos o que era, já que é muito difícil aparecer alguma espécie do gênero Contopus aqui no sul do estado, então independente da espécie que fosse, seria um registro inédito pro município de Rio Grande.
O Glayson começou a estudar a foto do Weymar e chegou a conclusão que poderia ser apenas duas espécies: piuí-verdadeiro-do-oeste (Contopus sordidulus) ou piuí-verdadeiro-do-leste (Contopus virens).
O que faltava pra garantir a identificação era fazer uma foto melhor da ave e se possível gravar a voz.
Nisso, combinei como Weymar de voltar lá no dia seguinte pra ver se encontrávamos novamente a ave.
Dia 2 – Segunda-feira (27/05)
Acordamos cedo na segunda-feira e como estava marcando chuva, saímos de Pelotas meio preocupados, mas com esperança que ele seguisse por lá. E sim, ele estava.
Mal tinha descido do carro e o bichinho estava lá, pousado numa cerca de arame próxima da estrada e ainda meio ruim de luz, corri pra garantir um registro e o bichinho deu mole e conseguimos registros de “tudo que é jeito” e se não me engano, o Weymar ainda conseguiu gravar a voz dele.
Mandei as fotos do display da câmera pro Glayson e ele confirmou a identificação, era mesmo o piuí-verdadeiro-do-oeste (Contopus sordidulus).
Voltei pra Pelotas feliz da vida e nesse meio-tempo conversei com o Jacobs e expliquei pra ele onde era a área e ele saiu de Pelotas no meio da manhã pra ir lá tentar gravar e fotografá-lo também. Dito e feito, confirmação pela voz!
Foi um momento de bastante euforia da minha parte, porque de uma simples saída com o Weymar, encontramos uma espécie que jamais sonhávamos em registrar, ainda mais aqui em Rio Grande.
Fotos que fiz no segunda dia:
Dia 3 – Terça-feira (28/05)
Sim, fui lá novamente. São quase 200km de ida e volta + pedágios, mas eu não poderia perder a chance de entender um pouco mais sobre o bichinho, né?
Dessa vez fui com o Jacobs, com o Weymar e com o Christian Andretti, ornitólogo que já teve contato com a espécie no museu do INPA, em Manaus/AM.
O objetivo dessa ida era ficar ali e tentar registros e gravações de voz e vídeo dessa ave que ainda é uma incógnita pra nós.
Os guris ficaram a manhã toda ali na volta, eu aproveitei que estava com tempo e dei uma rodada pra monitorar outras áreas e encontrei uma espécie que considero uma das mais raras aqui do sul, a rara sanã-cinza (Laterallus spilopterus) também deu show e consegui uma foto dela.
Imagina, numa mesma manhã registrar a sanã cinza e o piuí-verdadeiro-do-oeste, duas espécies incríveis.
Algumas fotos que fiz ontem, terça-feira:
Diagnóstico:
Vou deixar aqui abaixo, alguns textos que o Glayson mandou no WhatsApp descrevendo o que ele achava da espécie. Eu, Raphael, confesso que sou totalmente leigo pra definir com tantos detalhes e enxergar tudo que ele conseguiu enxergar. Por isso que a ciência cidadã é tão importante. Se a gente conseguir aliar o observador de aves com o ornitólogo cientista, teremos muitos outros registros incríveis aparecendo Brasil à fora.
Abaixo, os textos:
Dia 1 – domingo:
“Isso é o que está na literatura, mas não dá pra assumir como 100% certo. A distribuição de inverno desses bichos é pouco conhecida, devido à dificuldade de detecção e identificação no hemisfério sul.
Quando olhei a foto, o que me chamou atenção foi a diferença entre as duas barras da asa: “Upper and lower wingbars on Eastern (=virens) are almost always of similar boldness or brightness, but on Western (=sordidulus), the upper wingbar is usually duller than the lower wingbar.” Essa característica tá em outras fontes também.”
“Também me chamou a atenção a mandíbula com pouco amarelo (típico de sordidulus).
Cauda alinhada com o corpo, pouco contraste entre lado superior e inferior, cauda parecendo curta… Enfim, tudo parece estar apontando para o improvável sordidulus.”
Dia 3: terça-feira
“Os Contopus (tanto virens como sordidulus) apresentam muda pré-formativa quase completa. As únicas penas retidas da plumagem juvenil são algumas até (mais frequentemente) todas as coberteiras primárias. Nesta foto é possível perceber claramente que as coberteiras primárias (circundadas em azul) são velhas e desgastadas, e são de uma geração anterior às demais penas da asa (incluindo coberteiras maiores e rêmiges). Essa muda ocorre de out a abr do primeiro ano de vida da ave, nas áreas de invernagem. Logo, é uma ave de primeiro ciclo (com pouco menos de um ano de idade). Isso é relevante porque muitos migrantes perdidos são aves imaturas e inexperientes. Acrescenta a uma eventual interpretação do registro.”
“Acredito que não seja usual imaturos da espécie permanecerem nas áreas de invernagem durante o primeiro ano, como fazem os escolopacídeos, porque passeriformes tentam se reproduzir logo no primeiro verão. Logo, é vantagem voltar para as áreas de reprodução e tentar acasalar. Portanto, acredito mais numa ave que perdeu o rumo na viagem de volta do que numa eventual permanência por aqui durante o primeiro ciclo.”
Conclusão
Pra concluir esse texto, eu agradeço de coração ao amigo Luis Weymar por ser esse parceirão de sempre estar junto nas boas e nas más. A observação de aves tem esse poder, de nos aproximar a pessoas tão legais que jamais teríamos conhecido se não fosse por causa dos passarinhos. Quem viu a espécie foi ele e ele é responsável por esse baita registro!!
Como falei um pouco acima: Se unirmos a ciência cidadã aos ornitólogos, com certeza iremos ver muito mais coisas e descobrir algumas coisas novas sobre as espécies que nos rodeiam. Só conseguimos cravar a identificação graças as dicas desses experientes ornitólogos aqui do estado.
Agora fica um questionamento pessoal: Como essa espécie veio parar aqui? Tão longe da área de ocorrência dela? Será que foi alguma mudança no campo eletromagnético que fez ela se perder durante a migração/deslocamento? Será que esse excesso de chuva fez com que ela alterasse sua rota normal? Será que sempre veio pra cá e nunca conseguimos vê-la? É uma pergunta que PRA MIM, não há respostas.
Outra coisa: Há muita ave aqui no Rio Grande do Sul, as estradas estão trafegáveis e dá pra ver muito bicho aqui nesse inverno. Há voos direto para Pelotas e partindo daqui, conseguimos chegar em todos locais pra observar aves no estado. Não deixe pra vir só em 2025, agende sua passarinhada conosco e bora encontrar mais raridades nesse inverno que tá só começando!!
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