Por João Paulo Gava Just
No Brasil, geralmente damos mais atenção à biodiversidade das florestas tropicais, com as suas chamativas comunidades de aves repletas de saíras, tucanos, tangarás, papa-moscas e cotingas. No entanto, um fato que pouca gente sabe é que quase 30% do território brasileiro é dominado por campos, savanas e outros ambientes abertos similares. Apesar de antigamente serem considerados ambientes “improdutivos” e pobres em biodiversidade, hoje sabemos que esses campos possuem uma rica história evolutiva e são muito diversos em espécies da fauna e flora. Só em número de espécies de aves nos campos do Rio Grande do Sul, por exemplo, são cerca de 300 espécies!
Um desses habitantes emplumados dos campos é o joão-platino (Asthenes hudsoni), um pequeno passarinho insetívoro de cerca de 18 cm que vive nas regiões do pampa do sul do Brasil, Uruguai, Argentina e Paraguai e que é parente do famoso joão-de-barro (Furnarius rufus). Para um observador menos treinado, à primeira vista pode ser facilmente confundido com um outro parente seu, o cochicho (Anumbius annumbi). Mas ao contrário do joão-de-barro e do cochicho, o joão-platino é raríssimo no Brasil. Para sobreviver, essa espécie precisa de campos nativos preservados com uma combinação de manchas de vegetação rasteira (para se alimentar) com touceiras altas de juncos e capinzais (para fazer ninho e defender território).
Por ser naturalmente raro e muito dependente de campos preservados, o joão-platino é uma ave muito sensível aos impactos ambientais e as últimas notícias não são boas. Uma pesquisa recente liderada por cientistas uruguaios e argentinos (disponível aqui: https://www.ace-eco.org/vol17/iss1/art25/) trouxe evidências de que a espécie já foi extinta de 65% da sua área de distribuição histórica. O último reduto com o maior número de indivíduos é a região de campos úmidos e salobres da Argentina (“Pampa Úmido”). No Brasil atualmente o joão-platino possui ocorrência regular apenas no Parque Nacional da Lagoa do Peixe, municípios de Tavares e Mostardas, e na Ilha da Torotama, município de Rio Grande. Esse último lugar, por exemplo, não é protegido por nenhuma unidade de conservação. Outros registros mais antigos no Brasil indicam a presença da espécie em pontos esparsos nos municípios de Rio Grande, Santa Vitória do Palmar e Chuí. No Uruguai o último registro foi feito em 2002 e no Paraguai o caso é mais crítico, sendo o único registro conhecido da espécie nesse país datado do ano de 1906!
A preservação a longo prazo do joão-platino nos campos do Rio Grande do Sul depende de uma série de esforços conjuntos entre proprietários de campos nativos, poder público e populações locais. Os maiores impactos e ameaças sofridos pela espécie atualmente são a substituição dos campos nativos por áreas urbanas, de agricultura e de plantio de árvores exóticas, além de incêndios criminosos e sobrepastejo.
Os observadores de aves brasileiros podem auxiliar os cientistas na conservação do joão-platino procurando e documentando a ocorrência de novas populações e relatando em plataformas de ciência cidadã como o WikiAves (https://www.wikiaves.com.br) e o eBird (https://www.ebird.org). Fique de olho!